TRADICIONAL NO ESPÍRITO SANTO, A PANELA
DE BARRO É O “INGREDIENTE” PRINCIPAL DE
UMA DAS RECEITAS MAIS FAMOSAS DO PAÍS:
A MOQUECA CAPIXABA
A técnica, passada de geração em
geração pelas famílias do bairro de
Goiabeiras, é atualmente praticada em
um galpão construído com o apoio da
prefeitura em 1987, intitulado Associação
das Paneleiras, única no País.
A Associação conta com 102 artesãos
associados, em sua maioria mulheres, e
sua arte já foi, inclusive, reconhecida pelo
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) em 2002, registrada como
Patrimônio Imaterial Brasileiro.
ARTESANAL DO INÍCIO AO FIM
O que torna o ofício da panela de barro
em Goiabeiras tão encantador é o fato
de que, além da transferência familiar da
técnica, todas as partes integrantes do
processo, artesãos e matéria-prima, são
oriundos do local.
O Vale do Mulembá, situado no bairro
de Joana d’Arc, em Vitória, é a fonte
da farta matéria orgânica que com-
põe todas as etapas da fabricação da
panela. Os procedimentos são inteira-
mente manuais, sem o uso de qualquer
recurso tecnológico ou mecanizado,
porém, ao observar toda a produção, é
possível perceber o caráter profissional
e rigoroso empregado.
O primeiro passo é limpar a argila,
retirando os grãos de areia maiores e
a matéria orgânica visível. Em seguida,
o material é amassado manualmente
para dar início à modelagem a par-
tir de uma bola de barro. Depois de
definidos o tamanho e a forma da
peça, é dado o acabamento utilizando
instrumentos como o cuitê (pedaço de
cabaça), facas e estiletes.
A etapa seguinte é colocar a peça
totalmente modelada e acabada para
secar ao ar livre. Com a panela já seca,
a artesã utiliza o seixo rolado (pedra de
rio) para polir a peça e retirar os grãos de
areia mais grossos que estão aparentes.
Novamente as panelas são deixadas ao
ar livre por um curto período.
FOTO: SETUR/ES • JEFFERSON PANCIERI
Para completar o processo de con-
solidação da secagem e endurecimento
da argila, entram em cena os homens
(parentes das artesãs), responsáveis por
reunir toda a produção nesse estágio para
fazer a queima ao ar livre. Essa etapa é um
dos detalhes que tornam a produção em
Goiabeiras algo exclusivo no País.
Os homens fazem uma espécie de“cama”
de madeiras de reuso, onde as panelas são
postas emborcadas umas sobre as outras
e, em seguida, cobertas por lenha seca sob
fogo que atinge uma temperatura média
de 600ºC, durante 30 minutos.
Após a queima, as panelas são retiradas do
fogo para o último processo da produção
que é o chamado“açoite”. Essa é a fase
da pigmentação e impermeabilização da
panela. Usando uma vassourinha, chama-
da de muxinga, a artesã literalmente açoita
a panela lançando a tintura de tanino que,
em contato com a peça, imediatamente
a deixa na cor preta e ainda a sela contra
possíveis infiltrações. A tinta de tanino
é tirada da casca do mangue-vermelho,
árvore tradicional da região.
SELO DE TRADIÇÃO E AUTENTICIDADE
Um dos maiores problemas enfrentados
pelas paneleiras de Goiabeiras na comer-
cialização da panela de barro é a concor-
rência desleal realizada por comerciantes
de cidades vizinhas que vendem peças
confeccionadas em cerâmicas industri-
ais - com uso de torno e queimadas em
forno - como se fossem as da Associação.
Para efeitos de comprovação, as panelas
de Goiabeiras recebem um selo de
autenticidade do produto, que garante a
tradição e a durabilidade.
A venda das panelas é feita somente
no galpão da Associação das Panelei-
ras, com valores que variam entre 20
e 90 reais, de acordo com o tamanho
da peça. Outra maneira de promover
o ofício e os produtos é a Feira Anual
das Paneleiras de Goiabeiras, realizada
desde 1987, sempre no mês de outu-
bro, como um evento de divulgação e
incentivo à tradição local.
Durante os três dias de programação
da feira, o visitante pode comprar os
produtos e ainda saborear a tradicional
moqueca servida nas panelas de barro,
tudo isso ao som de cantores popu-
lares e bandas de congo.
Revista RDC Férias & Lazer | 45